O bom viajante

Gabriel Guandalini
Folha em Branco
Published in
6 min readApr 21, 2014

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O mais habitual quando falamos em viajar é pensar nos grandes cartões postais do mundo e tentar conhecer todos eles. Ou, pelo menos, aqueles mais interessantes e que nos chamam atenção. A vontade é tirar umas fotos, passar pelos principais pontos turísticos, ganhar alguns carimbos coloridos no passaporte e trazer um souvenir bacana para casa. Se der, comer uma comida típica e uma visitinha àquele museu que a Veja citou em alguma edição.

Todas as vezes que planejei uma viagem ao exterior, mesmo que nenhuma delas tenha se concretizado, eu selecionava o número máximo de países que podia conseguir. Quando se falava em Europa, já tinha um traçado de como ir de uma ponta a outra passando pelas principais capitais em pouco tempo. Afinal, quem não quer poder dizer que conheceu o Palácio de Buckingham, a Torrei Eiffel, os Portões de Bradenburgo e os canais de Viena? E quem é que tem a certeza de que será capaz de voltar ali para conhecer um de cada vez? Então, a solução é quase óbvia, passamos um ou dois dias em cada cidade, correndo de um ponto turístico ao outro, tentando conhecer o máximo de coisas possíveis antes de embarcar para o próximo destino. O famoso bate-e-volta!

Viajar significa coletar o máximo de selos possíveis?

Eu tinha esse pensamento até que, em setembro de 2013, eu tive a oportunidade ímpar de fazer um intercâmbio para a Rússia, país interessantíssimo que já comentei em outro texto. Essa viagem foi bem diferente do turismo que planejava antes. Tive a chance de me aprofundar na cultura e no dia-a-dia completamente diferentes do meu habitual. Afinal, fiquei por um tempo bem mais extenso e não precisava me preocupar tanto com a questão financeira, já que alimentação e estadia estavam garantidas.

Eu fui até lá para fazer um estágio em um hospital e morei em um alojamento estudantil com outros seis intercâmbistas, de cinco nacionalidades diferentes. Nós ficávamos no hospital durante toda a manhã e, algumas vezes, parte da tarde. O resto do dia pós-hospital era livre, tempo supostamente dedicado a outras atividades que pudessem aprimorar nossas habilidades médicas, como simuladores e treinos, ou então para conhecer a cultura e vida social local. Eu aproveitei esse tempo livre para tentar conhecer tudo o que eu desse conta sobre o país e o povo russo. Eu estava sempre andando por aí, visitando qualquer coisa que pudesse aprender. Quando ficava em casa, era porque tinha a oportunidade de conversar melhor com os outros intercambistas sobre seu país de origem, sua cultura e sua visão de mundo. Em resumo, eu vivia como uma esponja, tentando absorver tudo o que eu conseguia.

Eu ainda tinha a urgência e a necessidade de conhecer tudo o que conseguisse no espaço de tempo mais curto. Lia tudo que podia e me enfiava em qualquer programa que estivesse disponível para ter a chance de conhecer mais e mais. Isso realmente foi valioso. Contudo, depois de algum tempo, percebi que não é preciso toda essa euforia e pressa. Depois de alguns dias, eu estava acabado porque mal dormia. Saía do hospital, ia direto para uma praça ou parque, almoçava algum prato típico, me aventurava no sistema de transporte público para cruzar a cidade, visitava uma galeria durante a tarde, atravessava a cidade de volta a pé para ver melhor as coisas, passava em casa só para tomar um banho, ia para alguma balada e depois já emendava no hospital. Era um ritmo alucinante, o ritmo do bate-e-volta.

Esse ritmo realmente é tentador. E ele pode funcionar durante algum tempo e lhe proporcionar experiências incríveis. Eu tive experiências incríveis. Mas, com o passar dos dias ali na terra do czares, fui percebendo que esse ritmo rápido me fazia perder algumas coisas que me trariam ainda mais prazer. As sensações. Sim, aqueles momentos sentado em um banco qualquer, sem pressa e sem compromisso agendado, sem horário ou plano, em que eu podia ver passar as pessoas e não pensar em nada até ter devaneios sobre aquela terra estrangeira que uma hora ou outra me revelariam uma epifania.

Por mais que eu estivesse absorvendo tudo sobre tudo ao meu redor, vendo minúcias e minúcias sobre a cultura daquela terra, eu estava deixando um pouco de lado o momento de digerir aquilo tudo e dar um tempo para pensar e viver aquilo. Eu ainda era um estrangeiro naquelas terras, fazendo o que um gringo faz. Eu estava tirando fotos, colecionando cartões postais, fazendo check-ins em pontos turísticos e comendo comidas típicas, mas fazia tudo ainda como um estranho. Com a pressa e a urgência de um estranho. Ainda não havia me dado a oportunidade de caminhar por aquelas ruas como alguém que caminha ali todos os dias desde que nasceu. Eu ainda não havia feito a imersão que tanto queria.

Quando me dei um tempo para respirar e sentir aquilo tudo ao redor, a viagem teve um salto de qualidade incrível. Não deixei de conhecer o que queria ou passei a ficar parado por aí, mas me dei o ritmo necessário para aproveitar as coisas mais simples. Passei a dar um valor maior para a jornada dentro de cada atividade. E passei a louvar os momentos em que podia parar e absorver aquilo.

As coisas que antes achava que seriam perda de tempo, como ir ao supermercado, utilizar um serviço público como os correios ou comprar algo que poderia adquirir aqui no Brasil, passaram a se tornar interessantes. Tudo isso me dava um novo panorama do que era viver naquele país. Passei então tentar entender e sentir o que um russo sentia no seu dia-a-dia. Tudo que li e vi em todos os museus e livros não foi capaz de me dar o mesmo conhecimento do que essas atividades rotineiras diárias.

Frequentei até mesmo um culto religioso ortodoxo. Eu queria viver o que aquelas pessoas viviam. Entrar numa igreja, sentar com elas, louvar e adorar com elas. Eu poderia ter simplesmente uma foto daquela igreja e de mais um punhado, mas agora eu tinha a sensação de ter participado daquilo. E isso foi engrandecedor. Aproveitei até um momento para ir ao interior e ver a vida do homem do campo. E foi igualmente fantástico.

Paradoxalmente, reduzir o ritmo me fez viver mais intensamente. Cada sentimento passou a ser maior. E ao conviver cada vez mais com aquelas pessoas como uma delas me permitiu um crescimento pessoal milhares de vezes superior ao que estava tendo ao tocar a superfície da cultura como fazia antes. Realmente cresci e aprendi muito com esse período todo.

Depois de ficar imerso nesse mundo diferente, não esperava que o campo onde mais cresceria e aprenderia seria justamente sobre mim mesmo e sobre minha própria cultura. Mas assim foi. Aprendi muito sobre meus valores, crenças e limitações, bem como sobre aquilo que era importante para mim. Ganhei uma percepção ainda maior sobre nosso próprio país e nossa cultura. Ao estar tão perto de tradições e valores distintos, pude contrapor nossa cultura e enxergar pontos, tanto positivos quanto negativos, que ainda não eram nítidos para mim.

Essa jornada toda me permitiu voltar muito maior do que quando saí do Brasil. Acredito que toda viagem permita certo crescimento, mas consegui encontrar o equilíbrio necessário para aproveitar isso da melhor maneira possível. Houve momentos que questionei se não deveria ter aproveitado aquele tempo e dinheiro para fazer uma viagem mais tradicional, com todos os pontos turísticos inclusos, mas logo percebi que fazendo isso jamais teria chegado à profundidade de reflexões e ganhos que tive.

Não desqualifico o estilo de viagem que seja bate-e-volta. Como disse, ele tem seu valor. Nem estou também dizendo que você deve ir para o exterior para imitar o dia-a-dia de um nativo e depois meditar. Pelo contrário, minha sugestão é para que você, antes de sua próxima jornada, mesmo que ela não seja uma viagem longa e para fora, leve em consideração o ritmo e a velocidade do que você pode viver, bem como tenha em mente que a cultura de um país está em muito mais do que num bando de monumentos históricos. O que quero é que você não seja um gringo ou um estranho perdido. O bom viajante faz de sua casa todos os lugares do mundo.

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Originalmente publicado no site www.folhaembranco.com.br em 21 de Abril, 2014.

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Desde pequeno apaixonado por literatura, abraçou o sonho de se tornar escritor.