Diário de Viagem — #11 — Deserto do Saara

Gabriel Guandalini
Folha em Branco
Published in
4 min readJan 27, 2016

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((Nota do Editor: Nosso autor já contou esta história antes, em mais detalhes e com mais reflexões, que você também pode conferir aqui.))

Noite de quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Ouvindo a música tradicional marroquina enquanto se fuma um perfumado narguilé após um jantar agradável, é difícil acreditar que pouco tempo antes escapamos à uma tragédia de grandes proporções.

A imensidão do Deserto do Saara e suas areias alaranjadas

O Deserto do Saara merece a fama que tem. É tão belo ao mesmo tempo que é temível. A imensidão de areia dourada, com uma coloração única que não se encontra em outro lugar, faz pensar sobre nossa existência infíma. As dunas em constante mudança produzem uma paisagem belíssima e que nos deixa reféns do total desconhecido. É único. Ao mesmo tempo que não há nada, apenas areia e mais areia, há toda uma vastidão de sentimentos, reflexões e histórias ali. É difícil explicar, mas o deserto me intrigou e fascinou muito. Agora terei parte dele comigo para sempre, pois coletei suas areias como recordação.

Coletando as areias do deserto

Nós atravessámos o deserto durante o final da tarde montando dromedários conduzidos por beduínos. O passeio foi divertido e nos deu vislumbres das dunas impressionantes. Pudemos assistir o belíssimo espetáculo que é ver o sol-se-pôr sobre as montanhas de areia, pintando o mundo com cores quentes. Nós estávamos aproveitando muito o momento e o trajeto até o acampamento que suspostamente passaríamos à noite.

Pôr-do-sol no Deserto do Saara

O local era simples e consistia apenas num punhado de tendas dispostas em círculo. Mal havíamos chegado, guardado as mochilas nas tendas, nos preparado para o chá, quando as coisas mudaram e a tragédia se prenunciou. Estávamos sentados em círculo no centro do acampamento quando uma chama surgiu no topo de uma das tendas. Rafael foi um dos primeiros a avistar e me avisou, mas naquele momento parecia algo simples. Segundos depois, as chamas haviam consumido todo o pano da tenda e pulavam para a próxima, gerando uma correria de todos para salvarem a si mesmos e seus pertences.

O acampamento é destruído pelas chamas aos poucos. Foto tirada antes de escaparmos do círculo de tendas

Eu segui de modo calmo, repetindo que não havia motivo para pânico, sem realmente correr. Naquele momento, eu não entendia muito bem a gravidade da situação ou estava em estado de calmaria absoluta. De qualquer modo, saí de lá enquanto as labaredas consumiam tudo ao redor. Não sobrou nada. O incêndio destruiu todo o acampamento. Por alguma intervenção divina ou pura sorte, ninguém se feriu e ninguém do grupo perdeu algo importante.

Do lado de fora do acampamento, sob a luz de infinitas estrelas, fiquei assistindo as chamas dançarem em seu ritmo maldito enquanto muitas das mulheres choravam em desespero e os beduínos lutavam para salvar algo. Foi um espetáculo triste.

As labaredas do incêndio marcam a noite no Deserto do Saara

Após alguns momentos de tensão, decidimos a forma de voltar à segurança do nosso hotel. Alguns voltaram de dromedário pela escuridão e eu, mais alguns outros, fomos chacoalhando numa camionete 4×4 desgorvenada que saltitava perigosamente pelas dunas. Quase capotamos em uma ocasião e eu sofri com vários pulos no meu pequeno alojamento no porta-malas. Mas, depois de momentos de adrenalina, chegamos.

Demorou um tempo até todos estarem de volta e mais tempo ainda até os ânimos se acalmarem. Todos estavam impressionados, mas os marroquinos fizeram o possível para normalizar a situação com jantar e apresentação musical. Ainda há certa nervosia no ar, mas o pior já passou. Amanhã talvez as coisas se normalizem, embora ninguém nunca vá esquecer a sorte que tivemos em escapar da morte. Percebo agora que tenho um anjo da guarda bem poderoso.

((Nota do Editor: Nosso autor já contou esta história antes, em mais detalhes e com mais reflexões, que você também pode conferir aqui.))

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Originalmente publicado no site www.folhaembranco.com.br em 27 de Janeiro, 2016.

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Desde pequeno apaixonado por literatura, abraçou o sonho de se tornar escritor.